quarta-feira, 24 de agosto de 2011
O CRAVO NÃO BRIGA COM A ROSA
Texto de Luiz Antônio Simas
Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto.
Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais "O Cravo Brigou com a
Rosa". A explicação da professora do filho de um camarada foi comovente: a briga entre o cravo -
(o homem) e a rosa (a mulher) estimula a violência entre os casais. Na nova letra "o cravo
encontrou a rosa debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa ficou encantada".
Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha. Será que esses
doidos sabem que "O Cravo Brigou com a Rosa" faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos
criou a partir de temas recolhidos no folclore brasileiro?
É Villa Lobos, cacete!
Outra música infantil que mudou de letra foi "Samba Lelê".
Na versão da minha infância o negócio era o seguinte: Samba Lelê tá doente/ Tá
com a cabeça quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas.
A palmada na bunda está proibida.
Incita a violência contra a menina Lelê. A tia do maternal agora ensina assim: Samba Lelê tá
doente/ Com uma febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar. Se eu fosse a Lelê,
com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca.
Os amigos sabem de quem é "Samba Lelê"? Villa Lobos, de novo. Podiam até registrar a parceria.
Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.
Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças
o desejo de maltratar os bichinhos.
Quem entra na roda dança, nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados para se casar com
um. Sete namorados é coisa de menina fácil.
Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não despertar na garotada o sentido da
desigualdade social entre os homens.
Dia desses alguém (não me lembro exatamente quem se saiu com essa e não procurei a referência no
meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda) foi espinafrado porque disse que ecologia era,
nos anos setenta, coisa de viado.
Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado.
Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil novecentos e
setenta e poucos, que algum filho estava militando na causa da preservação do mico leão dourado,
em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha louca, diria o velho.
Vivemos tempos de não me toques que eu magôo. Quer dizer que ninguém mais pode usar a expressão
"coisa de viado"? Que me desculpem os paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma
tremenda babaquice.
O politicamente correto é a sepultura do bom humor, da criatividade,da boa sacanagem. A
expressão "coisa de viado" não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a bicha alguma.
Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de rodapé ou leão de chácara de baile
infantil - de deficiente vertical.
O crioulo - vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser chamado de
afrodescendente.O branquelo - o famoso branco azedo ou Omo total - é um cidadão caucasiano
desprovido de pigmentação mais evidente.
A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do 5º batalhão de artilharia pesada,
também conhecida como o rascunho do mapa do inferno - é apenas a dona de um padrão divergente
dos preceitos estéticos da contemporaneidade.
O gordo - outrora conhecido como rolha de poço, chupeta do Vesúvio, Orca, baleia assassina e
bujão - é o cidadão que está fora do peso ideal.
O magricela não pode ser chamado de morto de fome, pau de virar tripa e Olívia Palito.
O careca não é mais o aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha.
Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar oAleijadinho. Direi o seguinte: o
escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais... Não dá.
O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.Falei
em velho Bach e me lembrei de outra.
A velhice não existe mais.O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé na cova,
aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral, o popular tá mais pra lá
do que pra cá, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura.
A velhice agora é simplesmente a "melhor idade".Se Deus quiser morreremos todos gozando da mais
perfeita saúde. Defuntos? Não.
Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do pé junto.
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Clarice,
ResponderExcluirvc está coberta de razão , em tempos tão bicudos como os atuais nada mais pode ser dito, do jeito que as coisas vão em breve teremos o retorno da censura...uma vergonha para a memória do nosso país...e cuidado, logo logo vão classificar o seu babalorixá Pai Google de Aruanda de discriminação religiosa...rs.
Amei de paixão seu texto, irreverente e inteligente na medida certa.
bjs
Juliana
http://barbantela.blogspot.com/